O Velhinho e a Criança

Agora são 11h30 da manhã, acabei de acordar, a mente ainda está vazia. A luz entra no quarto pelas pequenas brechas que há na janela, dando um clima suave e agradável. Tão agradável que uma repentina vontade de continuar na cama me domina, mas são 11h30, talvez seja hora de levantar.

Dou uma volta no apartamento e não encontro ninguém além de mim e meus pensamentos infindáveis. Eles me fazem uma ótima companhia e nada melhor do que pensar e observar. Abrir a janela e admirar a bela vista que a capital me proporciona é perceber o quanto sou pequeno nesse universo metropolitano. A cena se repete praticamente todos os dias; o mesmo prédio cinza da frente, a bela catedral escondida por ele, o mesmo barulho constante e afinado que os carros produzem, o contraste que há entre as arvores e os prédios, os bares, o restaurante da esquina, as mesmas... bem, se fosse as mesmas, seria tudo uma rotina afundada numa eterna mesmice. Elas vêm de lugares diferentes, com destinos diferentes, com diferentes histórias e contos, algumas com seus sorrisos apagados e outras enchendo nosso olhar de brilho e alegria.

No meio dessa pintura de arte, com suas mais belas cores de vida, suas diversas e estranhas formas, onde nós mesmos somos os grandes artistas, me deparo com uma intrigante cena e ao mesmo tempo distinta de tantos outros dias.

Aqui no décimo andar, posso observar as inúmeras pessoas que passam nessa calçada, elas tão singulares em seu modo de andar, vestir, se portar, não me fixaram a atenção mais do que aquela cabeça branquinha como a neve. Seus meios passos me intrigavam, era como se cada um fosse uma vitória, uma conquista sobre seus próprios limites. Nos seus pés havia um caminhar, em seu guarda-chuva o equilíbrio, na sua mão um apoio, no seu coração uma perseverança e no seu olhar um objetivo.

Num instante qualquer uma criança pequena atravessou a rua a correr e sem perceber, esbarrou naquele velhinho cansado da vida. Ele permaneceu intacto e em pé, mas ela veio a cair no chão. Ele sorriu e seus olhos se encontraram. Ela se levantou rapidamente, bateu as mãos sobre o pó que agora estava sobre seu uniforme e se abaixou para pegar seus cadernos que haviam ficado aos pés do velhinho. Ele a impediu, sorriu novamente e com dificuldade devolveu o material a criança. O gesto de gratidão a aquele Sr. não podia ser melhor, com um beijo no rosto agradeceu, pediu desculpas e voltou a correr em direção ao Mackenzie.

Não sei o que levou aquela criança atravessar a rua correndo ou o motivo daquele velhinho caminhar tão lentamente pela calçada. Não sei por que nós três presenciamos esse momento. A única coisa que sei é que naquelas frações de segundo, naquele encontro de olhares, o passado, o presente e o futuro uniram-se em um único momento. O passado que aquele velhinho trazia nas costas, o presente que ali acontecia e o futuro que presentearia a nós três a oportunidade de relembrarmos esse encontro com alegria.

E assim como essa e outras histórias, levo comigo a alegria de ter vivido encontros que hoje me proporcionaram lembranças que terei o prazer de reviver.
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