Mesmo diante desses fatores nada inspiradores, eu tinha acordado feliz. Não havia motivos para estar, mas o fato era que estava. Hoje é sexta-feira, dia de voltar para casa, recebi duas ligações distintas de proposta de emprego e estava aguardando a resposta de outras duas. O dia caminhava bem. Decidi ir até o Mackenzie para ver uns e-mails, responder outros e ver as programações de hoje. Tomei um banho e como sempre, com um ótimo fundo musical. Me troquei, coloquei meus fones recentemente ganhados e parti.
Eu adoro andar, sempre o faço observando tudo; os carros que passam, as pessoas na rua, os diversos tipos e estilos delas, as árvores, toda constituição urbana. A caminhada até o Mackenzie não é longa, dá para observar tudo isso e mais uma vez um fato inusitado me aguardava, mas dessa vez era na porta de entrada do Mackenzie.
Enquanto eu subia a Consolação, descia um Sr. de cabelo grisalho, um pouco mais baixo que eu. Nada nele chamava atenção, era mais um homem comum e certamente passaria por ele desapercebido se não tivesse me abordado.
No momento que passaria ao seu lado, ele tocou meu ombro, disse algo que não entendi. Retirei os fones de ouvido e naturalmente o olhei. Nesse momento pude perceber que ele não estava bem. Aquele Sr. aparentava ter uns 40 anos, mas seu cansaço e seu mal estar o deixado com a aparência de 50. Com um o rosto vermelho, suado, olheiras, barba mal feita, repetiu o que tinha me dito:
– Desculpe – sorrindo e encabulado perguntou: Hablas español?
Foi minha vez de sorrir, e tentando ser agradável respondi:
– Muy poquito Sr. – Meu espanhol está muito mais para um Portunhol, daqueles que se ouvi em novelas do SBT. Ele logo percebeu e com um sorriso forçado, prosseguiu:
– Soy Argentíno – Dizia com a mão no peito, suspirando o cansaço e com o olhar de compaixão – Vou tentar hablar em português. Yo estoy vengo de a pé lá de Pinheiros. E yo estoy indo para ??? Por favor, Por favor – repetiu ele – tem algum dinheiro para dar-me para yo tomar um cafezinho?
Vendo a situação daquele Sr., eu sorri mais encabulado ainda e respondi:
– Desculpe Sr., eu não tenho nada comigo.
– Um cartón telefônico? Insistiu ele.
– Desculpe, mas o Sr. pegou a pessoa errada, eu não tenho nada comigo – Repeti.
Nesse momento todas suas esperanças acabaram, com os olhos encharcados, certamente com o coração partido, não pôde me dizer mais nada, tocou no meu braço em forma de agradecimento e partiu com a cabeça baixa. Enquanto ele caminhava pude ver que sua mão por duas vezes foi levada aos olhos, limpando as lágrimas que agora escorriam pelo seu rosto. Aqueles foram passos leves, como quem não sentisse o chão; foram passos de fé, mas sem esperança; foram passos desafiadores, pois não tinham vontade de continuar; foram passos que venciam a fome, a dor, a tristeza; foram uns dos passos mais belos que até agora eu tinha testemunhado.
Fiquei observando aquela cena por uns 30 segundos e entrei no Mackenzie da mesma forma, cabisbaixo, mas por outro motivo, triste por não ter tido como ajuda-lo.
Não sei o motivo que levou aquele homem a me abordar, não sei o que viu em mim para fortalecer sua esperança de conseguir um prato de comida. Ele não sabia quem eu era, da onde vinha e muito menos se poderia ajuda-lo, mas isso não o impediu; tínhamos uma barreira da língua, da idade, de caminhos, de objetivos, mas ele precisava tentar.
Eu jamais vou revê-lo e ouvir o fim dessa história, mas ele não pôs um ponto final e sim deixou uma virgula para que essa história continuasse a ser vivida amanhã.
Dou uma volta no apartamento e não encontro ninguém além de mim e meus pensamentos infindáveis. Eles me fazem uma ótima companhia e nada melhor do que pensar e observar. Abrir a janela e admirar a bela vista que a capital me proporciona é perceber o quanto sou pequeno nesse universo metropolitano. A cena se repete praticamente todos os dias; o mesmo prédio cinza da frente, a bela catedral escondida por ele, o mesmo barulho constante e afinado que os carros produzem, o contraste que há entre as arvores e os prédios, os bares, o restaurante da esquina, as mesmas... bem, se fosse as mesmas, seria tudo uma rotina afundada numa eterna mesmice. Elas vêm de lugares diferentes, com destinos diferentes, com diferentes histórias e contos, algumas com seus sorrisos apagados e outras enchendo nosso olhar de brilho e alegria.
No meio dessa pintura de arte, com suas mais belas cores de vida, suas diversas e estranhas formas, onde nós mesmos somos os grandes artistas, me deparo com uma intrigante cena e ao mesmo tempo distinta de tantos outros dias.
Aqui no décimo andar, posso observar as inúmeras pessoas que passam nessa calçada, elas tão singulares em seu modo de andar, vestir, se portar, não me fixaram a atenção mais do que aquela cabeça branquinha como a neve. Seus meios passos me intrigavam, era como se cada um fosse uma vitória, uma conquista sobre seus próprios limites. Nos seus pés havia um caminhar, em seu guarda-chuva o equilíbrio, na sua mão um apoio, no seu coração uma perseverança e no seu olhar um objetivo.
Num instante qualquer uma criança pequena atravessou a rua a correr e sem perceber, esbarrou naquele velhinho cansado da vida. Ele permaneceu intacto e em pé, mas ela veio a cair no chão. Ele sorriu e seus olhos se encontraram. Ela se levantou rapidamente, bateu as mãos sobre o pó que agora estava sobre seu uniforme e se abaixou para pegar seus cadernos que haviam ficado aos pés do velhinho. Ele a impediu, sorriu novamente e com dificuldade devolveu o material a criança. O gesto de gratidão a aquele Sr. não podia ser melhor, com um beijo no rosto agradeceu, pediu desculpas e voltou a correr em direção ao Mackenzie.
Não sei o que levou aquela criança atravessar a rua correndo ou o motivo daquele velhinho caminhar tão lentamente pela calçada. Não sei por que nós três presenciamos esse momento. A única coisa que sei é que naquelas frações de segundo, naquele encontro de olhares, o passado, o presente e o futuro uniram-se em um único momento. O passado que aquele velhinho trazia nas costas, o presente que ali acontecia e o futuro que presentearia a nós três a oportunidade de relembrarmos esse encontro com alegria.
E assim como essa e outras histórias, levo comigo a alegria de ter vivido encontros que hoje me proporcionaram lembranças que terei o prazer de reviver.
Se desejos fossem fatos, viveria eternamente a reviver momentos como estes. Mas o ponteiro continua a rodar e eu nada mais tenho a fazer do que seguir seu movimento. Aquela gota que rolou na sua janela quando a chuva não cessava, jamais será a mesma. Aquela folha que caía da árvore quando você passeava pelo bosque, jamais fará parte daquele ramo novamente. Detalhes passam desapercebidos e são eles que marcam nossa história. Detalhes não fazem histórias, mas dão sentido a elas deixando espaços vazios preenchidos.
Aquela brincadeira não teria graça se eu deixasse de contar sobre esse machucado. Aquela conversa seria facilmente esquecida se não tivesse essa gargalhada. Aquela briga não teria tanta emoção se essa lágrima não escorresse. Aquele conselho seria em vão se não houvesse essa amizade. Aquele beijo não seria doce se não tivesse amor. Aquele sonho seria perdido se não fosse esse objetivo. Essas palavras não formariam esse texto se meu coração não sentisse saudade.
Brincadeiras, conversas, brigas, conselhos, beijos, sonhos e palavras fazem parte da minha história, mas são os machucados, as gargalhadas, as lágrimas, as amizades, o amor, os objetivos e a saudade que completam cada vazio que esses momentos teriam se não houvesse detalhes.
Se detalhes não preenchem nada, momentos passam a ser vagas lembranças. Se meu passado fosse apenas lembranças, o agora não faria sentido viver. Viver é arte de completar momentos que virão com os detalhes que o hoje faz agora. O meu desejo é que esses detalhes façam de mim mais completo para que eu viva momentos que preencham sua história.
“Preciso deixar lágrimas escorrerem como remédio para um coração machucado
Preciso de sentimentos que revigorem uma alma quebrantada
Preciso que meu coração fale para sarar uma voz não ouvida
Preciso de ombros amigos que supram a falta de um abraço não dado
Preciso que ventos me dêem asas para voar
Preciso que Deus me dê a mão e me guie nos meus caminhos escuros
Preciso de um brilho de um olhar que me faça sorrir sem cessar
Preciso da essência da vida de uma criança
Preciso de ver o mundo com os olhos daqueles que vêem a beleza nas pequenas coisas
Preciso viver, sonhar, amar, cantar.
Preciso viver intensamente sem ter medo de errar.
Sentimentos incríveis trazem paz a alma
Alma traz essência e amor traz as batidas ao coração
Quando se unem, sentimentos explodem em meio a tanta emoção
Deixo fluir aquilo que firma meus passos
Olho ao meu redor e percebo quanto tenho sido falho
Uma lagrima cai e aquela gota demonstra tudo o que tenho de melhor
Sofrimentos se vão, trazendo luz aos meus caminhos
Então chorarei novamente na vontade de ter mais daquilo que me faz amar
E realizarei na alegria que posso fazer mais do que sonhar.”
Por: Gabriel Cantarino
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“Posso ver almas vibrando por vida
Posso sentir corações sedentos por alegria
Posso ver mãos que não podem alcançar
Posso encontrar mentes vazias
Posso ver pés que não podem chegar
Posso sentir toques de mãos frias
Posso ouvir vozes que não podem cantar
Qual sentido dessas vidas se sonham e não podem realizar?
Ao correr, sinto o vento em minha pele tocar
Ao contemplar, posso ver o brilho do luar
Ao sonhar, almejo meus objetivos e vou contra o tempo lutar
Mas o que é isso? Viver ou apenas presenciar?
Para viver precisa-se marcar:
Corações com amor
Almas com vidas
Olhos com lagrimas
Palavras com entendimento
No demonstrar do Amor que seja com carinho
Ao oferecer a Vida que desmanche sofrimento
No escorrer das Lagrimas que seja com emoções
No tocante da Sabedoria que enchas de entendimento
Onde estão estas marcas?
O que fazes você desse lado?
Tens feito vidas marcadas ou presenças lembradas?
Quero ser uma vida que como o vento passasse
Mas quero que esse vento no mínimo te tocasse
Não quero que minhas palavras apenas sejam jogadas ao vento
Mas quero que esse vento traga-as até você possibilitando que elas te marcassem.”
Por: Gabriel Cantarino
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“Sabe quando você caminha sobre a praia e percebe que seus passos deixaram marcas naquela areia molhada? Logo a água do mar vem e os apaga, nessa hora fico me perguntando como cheguei até aqui, apalpo meus bolsos e não encontro nenhum mapa e não me recordo de ter pedido informações. Só me lembro de ter andado seguindo a direção do pôr-do-sol. Não é novidade que ele me encanta, mas dessa vez estava ansioso pela chegada da Lua. As noites me fazem pensar, refletir e claro, é um ótimo momento para sonhar. Ainda me recordo de quando pequeno, meus pais seguravam em minhas mãos e me ensinavam a caminhar sobre essa mesma praia, me faziam ir mar adentro e perder o medo dele. Esses passos nem mesmo o mar pôde apagá-los sobre a areia. Posso ainda ver meus pequenos pés marcados nessa praia, os vejo de longe, pois não posso voltar e os encarar de perto. Já antes meus pais me ensinavam que cada passo é um passo, não adianta tentar correr e chegar ao destino, não nos é permitido acelerar e voltar o tempo. Eles também me ensinaram a desviar dos espinhos e pedras, mas que também há alguns que são inevitáveis. Tão inevitáveis que as marcas dos meus pés não são apenas visíveis, mas ainda muito bem sentidas. Há espinhos que não quero mais me deparar com eles, há pedras que já cansei de remove-las, há passos que mesmo sabendo que serão apagados, insisto em pisá-los, talvez por teimosia, talvez por pura incredulidade. Enfim, de tantos passos caminhados, de pedras chutadas e espinhos pisados, vejo que tudo isso me ensinou a andar sozinho, a ver o mundo aos meus próprios olhos, a lutar pelo que é meu e a buscar o meu lugar ao sol. A não precisar mais de mãos que me levem, mas sim que quando eu caia, me ajudem a levantar. Você já deve ter comigo caminhado, sentado e ter visto o pôr-do-sol, pode ter chorado e ter me feito feliz numa longa risada. No luar pode ter me ouvido cantar e no amanhecer o meu silencio escutar.
Então vou Concluindo.
Vejo que essa praia é minha vida, esses meus passos os meus erros e acertos formam cada momento de minha vida, esse mar que insisti em apagá-los é simplesmente a vontade de tentar de novo chegar ao meu destino breve, um amor para toda a vida.”
Por: Gabriel Cantarino
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