O Bilhete

Ainda me lembro de como sempre andava pisando em palavras perdidas e respirando o ar de uma falsa liberdade. Sempre me contentei em estar livre dentro de uma gaiola, cantarolando melodias compostas por prisioneiros em fórmulas musicais sem entenderem o real sentido delas. Foi em um dia desses de ilusão que me deparei com um zumbido suave em minhas orelhas. Não o notara de imediato. Era como um mosquito que zune sem que o notemos até que de repente muda de timbre e nos obriga a percebê-lo. Então, assim que o volume de sua voz aumentou, eu a percebi. Tentei tampar meus ouvidos impedindo que aquele som chegasse aos meus tímpanos, não que o som fosse ruim, mas que era demasiadamente doce e suave para mim. Não podia suportá-la. Incansavelmente me chamava e eu, das formas mais esdrúxulas a ignorei, voltando-se apenas para mim e para meus desejos.
                                     
O tempo passou, e eu senti falta daquele insistente som que freqüentemente me tirava o ar, me fazia flutuar e pisar sem sentir o chão. Lembrei-me de como me atraía: vinha de dentro para fora; fazendo vibrar por onde passava; inconfundível e impenetrável; forte, porém suave; aprisionando, mas causando liberdade; enchendo e deixando rastros insaciáveis. A saudade que me bateu me assombrou e causou-me desespero.

Então sai a procura daquilo que poderia preencher esse vazio. Corri contra os ventos na tentativa que eles tocassem meus ouvidos trazendo junto de si o teu timbre, porém a corrida apenas cansou-me e o vento gelado apenas esfriou minha pele. Busquei na noite olhar para as estrelas e encontrar o brilho que tua luz causava em minha vida, mas as estrelas pareceram-me longe e inatingíveis, fazendo-me contemplar apenas a escuridão daquela noite. Finalmente, procurei teu amor nas pessoas, esperançoso que nos seus olhos eu encontrasse tua presença, então aquelas pálpebras apenas se fecharam incapacitadas de transmitir vida. Como se o mundo e tudo que fizesse sentido nele desabasse ao meu redor, como se toda vida contemplasse minha solidão, sentei e chorei na madrugada lágrimas que não tiveram mãos para secá-las. Voltei para casa desolado, arrastando minha solidão e meu fracasso aos pés. O peso que as tinha me fazia andar devagar, andando sem mesmo ter que tirar os pés do chão. No meu quarto, fechei a porta e sentei no canto em que as duas paredes se encontravam, e passei o que ainda restava da noite acordado, perdido em meus pensamentos, buscando sem esperanças achar rastros teus em mim. Pela última vez, com tudo que ainda restava do meu coração, eu clamei por tua voz como uma criança clama pelo peito de sua mãe.

Foi quando senti o calor do sol pela janela e resolvi ir a cama aliviar-me em sonhos. Sentei sobre ela e por uns instantes fiquei com as palmas das mãos abertas sobre os olhos, deixando que ainda escorresse sobre minhas mãos as poucas lágrimas que me restavam. Puxei meu travesseiro e com ele veio um bilhete que estava sobre ele. Pensei em jogá-lo fora. Cansado e alheio a tudo que fosse externo. Mas um pingo de esperança me fez mudar de idéia, crendo que aquele bilhete poderia me trazer um pouco de paz. Nele, assim estava escrito:

Busque-me e me acharás quando me buscardes com todo seu coração. Quando quiseres ouvir minha voz, entra no teu quarto e, fechada a porta, clame por mim que estou em secreto, e Eu, que te vê em secreto o falarei coisas que só eu posso lhe dizer .Lembre-se: mesmo que chores durante toda noite, logo pela manhã, quando o sol ainda estiver nascendo, eu o encherei com minha alegria.
Eu te amo,
Jesus.

Então respirei fundo, e ao fechar meus olhos, pude ouvir sua risada e sentir tua alegria. Novamente sua voz me falava, e só pude gargalhar altamente em resposta. Sim, só podia ser a sua alegria, a sua voz. Não como qualquer uma, mas a Voz, que agora me guia mesmo quando tudo perde o sentido.
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